A minha cidade anda peculiar de uns tempos para cá. Não sei dizer ao certo, mas vejo inúmeras pessoas por aí passeando com animais de estimação. É o fenômeno do primeiro pet que se alastra pelos quatro cantos dessa mistura de arquipélago com continente que é a capital. Um leque de opções está aberto pelas ruas, onde vemos desde espécies de pequeno porte como hamsters no conforto de suas gaiolas até os de elevado tamanho com alguns cachorros. Só que me surpreende saber que uma tipologia desses últimos citados está com seus índices nas alturas.
Quem
disse que o cão é o melhor amigo do homem está mais do que equivocado, pois
nesse caso é da mulher. Seres que se encaixam nessa classificação possuem uma
tendência de ciclo de vida rigorosamente seguida. Quando nasce, o tal está
inserido em um cenário amoroso que perpetuará até que ocorra a fuga da redoma
de vidro protetora. Há casos em a bolha que o envolve fica instável e explode
por motivos banais. Em ambos os casos as criaturas se apresentam fragilizadas,
mas logo conseguem se reerguer.
Sem as
amarras da vida, seu crescimento é desenfreado, totalmente liberto das
preocupações cotidianas. “O que vier é lucro” é o lema que mais se encaixa com
o período. Revirar as latas de lixo não é um problema, pois um garimpo para
tais não faz mal a ninguém. Há quem esteja de olho nas carnes rodando nos
espetos das padarias e churrascarias. Alguns se arriscam com artimanhas, outros
esperam que suas caras de tristeza convençam um funcionário a dar um
empurrãozinho. Quem se lambuza primeiro de tanta comida é visto como um
vencedor.
Todavia,
o auge da vida dessa espécie já não tão rara assim traz sinais mais distintos
que o comum. A sensação de solidão era consequência do cansaço da vida
desregrada. É nesse momento que um alimento vai ser escolhido sem pretensões,
somente para preencher o vazio de algum modo. Sem certo cuidado, o pedaço
de carne se torna de grande apego e o transforma em semelhante. A essência
animalesca igualada exala uma atração descontrolada. Há a perda da razão, e o
apelo para um subjetivo muito mascarado. Seria então um preparo de terreno para
mais uma evolução desse antigo alimento: a mulher.
Voltar a
um lar aconchegante em que a dona molde conforme suas necessidades se torna não
mais um empecilho para cada criatura nessa situação. Eis o início de uma
plantação de ideias, opiniões e decisões a serem tomadas em cima de seu crânio.
Enraizadas, essa união daria frutos que só podem ser tratados e colhidos com
quem lhe pertence. Surge então o instante no qual a coleira com registro é
finalmente colocada. Ato simbólico de um pertencimento planejado minuciosamente.
A ilusão
toma conta rapidamente como uma doença de altos riscos. O mundo antes
desbravado pelo bichinho tem suas portas fechadas, lacradas. Os horários de
passeio, além de disponibilidade eram traçados e retraçados muitas vezes pela
dona de cada um. Em contato com eles, essas se portavam como grandes salvadoras
de suas vidas. Ao saírem do recinto onde estavam, todas
recriavam um show de horrores em uma edição especial de insultos e
depreciações. As múltiplas facetas são tão eficientes que proporcionam o poder
de manipulação. A partir desse momento começa uma dura caminhada para o abismo.
A torcida é pelo despertar mais breve possível antes que um desastre ocorra: a
morte do eu.
Os
devaneios dessa mente parecem tão irreais, mas infelizmente são concretos. São
casais sendo criados por todos os lados seguindo o mesmo modelo que suga sempre
a energia do outro sem ao menos notar. Não que um personagem tenha uma
capacidade maior que a outra. Ambos são iguais nesses e em tantos outros
quesitos. Talvez comparar ao animal possa não ter sido uma das melhores
escolhas, porém captura muito bem o racional sendo deixado de lado e a pessoa
se inserindo em atitudes primitivas perante situações extremas. E mesmo com
tantos alertas, a grande maioria passa por todos os estágios e só no tardar
deles descobre a realidade. Visto os que não preferem adquirir esse
conhecimento, apenas inicio a playlist com Doghouse do No Doubt. Escolha perfeita para
lembrar os que já estão em péssimos lençóis.
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